segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Não ha património que resista !!!!!!!
Avista-se da cidade. Imponente. À medida que nos aproximamos torna-se gigantesco. Não é por acaso que o título de jóia da coroa lhe é atribuído. Mas ao percorrermos os 4800m2 de construção edificada que compõem o Convento de Cristo, em Tomar, a realidade afigura-se monstruosa. A chuva intensa marca-lhe cada fissura, cada mazela. Desde as ruínas do castelo ao hospital militar devoluto, aos claustros seguros por traves frágeis, à Janela Manuelina cujos motivos se escondem atrás dos líquenes...
O que fizemos ao nosso património?
A pergunta repete-se de Norte a Sul do país. E dá azo a uma outra, mais concreta, mais real e impossível de responder: quanto dinheiro será necessário para recuperar um universo histórico tão vasto?
Charola (raríssimo santuário datado da alta Idade Média), um dos "ex-libris" do Convento de Cristo, usufrui já de um programa activo de mecenato. A entrar na terceira fase de intervenção a nível das pinturas murais, viu a Cimpor sensibilizar-se com a degradação do seu deambulatório magnificamente decorado no século XVI. Mas faltam exemplos semelhantes, de Norte a Sul do país.
Na Sé de Évora onde o vento e chuva batem contra as janelas em ferro que compõem a cabeceira do edifício, sente-se essa falta de intervenção, assim como se sente e vê a olho nu na Igreja de São Francisco, de arquitectura gótico-manuelina e que integra a famosa Capela dos Ossos. As vigas de madeira que sustentam a nave da igreja, a maior nave central da Península Ibérica, estão a ruir e a abrir brechas por todo o lado.
Lixo na Sé de Lisboa, risco na Ribeira
Sé de Lisboa: no claustro, já não se reconhecem adornos, arcos ou capitéis
Também na Sé de Lisboa, entre as diversas orações que lá se fazem, algumas são em intenção da própria estrutura da igreja - para que não ceda e para que as placas de vidro não caiam em cima de ninguém. Ali só através de passadeiras de metal se consegue atravessar o claustro - imenso buraco aberto há 30 anos, a mostrar ruínas de edificações anteriores (romanas ou islâmicas, não se sabe ao certo). Ali, excrementos de pombo convivem com garrafas de plástico, sacos e lixo avulso, enquanto os turistas deambulam por entre arcos, ogivas, capitéis e inscrições com uma história mais velha do que Portugal.
É triste, mas é verdade.
Na Ribeira, no Porto, o cenário não é mais animador. O perigo de derrocada não ameaça só visitantes, vive dentro da cabeça de moradores e comerciantes. Em Valença do Minho, as muralhas da fortaleza também podem cair. As de Campo Maior, Serpa e Estremoz, no Alentejo, estão por tratar. Em Santarém, o Tejo treme sem saber quando vai receber as pedras da muralha que espera por verbas para uma solução definitiva, constantemente adiada pelos problemas de engenharia. A Fortaleza da Ínsula, em Caminha, tem a erosão como maior inimiga. A Ermida de São Gião da Nazaré não tem melhor sorte. A mesma do Mosteiro de Pitões das Junias, no Gerês. No Algarve, Cacela-a-Velha já não reconhece as suas muralhas, e Tavira não sabe sequer se a vila romana de Balça terá futuro.
Castelo de Monsaraz: a ameaça é um parque de estacionamento
Ao abandono está, ainda, a Fonte do Milho, um sítio romano em pleno Douro. Mais acima, em Bragança, a Lorga de Dine, na Gruta de Vinhais, no concelho de Bragança, tem as estalactites serradas. O local foi vandalizado e nem a Direcção Regional de Cultura do Norte sabe disso. Diz que a tutela não é sua e explica que alguém tem a chave da porta que dá acesso ao sítio pré-histórico.
O vandalismo toma formas diferentes em Silves, Monsaraz e, mais uma vez, Bragança. O castelo da vila algarvia viu as suas muralhas serem abertas para que uma nova porta se construísse, na vila alentejana, ao lado da fortaleza nasceu uma cratera para estacionar automóveis, e na capital de Trás-os-Montes há uma esplanada de vidro colada à velha Domus Municipalis. E os exemplos multiplicam-se.
Ministério promete medidas
O Ministério da Cultura, que tutela todo o património imóvel nacional, já avançou com uma primeira proposta: lançar o desafio às grandes empresas de obras públicas para, em forma de mecenato, oferecerem 1% de cada empreitada que lhes seja adjudicada em obras de requalificação. Castelos, igrejas, mosteiros, palácios, sítios arqueológicos, centros históricos...
Sé de Évora: as janelas da cabeceira do edifício estão a ruir
Há muito por onde escolher e trabalhos de todas as dimensões à espera de serem iniciados. A solução, importada de Espanha (cujo Estado adoptou mesmo uma taxa fixa de 2% a cada empreitada pública), surge como o único caminho. Mas a proposta do Governo não saiu até agora da gaveta e não passa de uma miragem.
Felizmente, além do já citado exemplo do mecenato da Cimpor, outros bons exemplos vão florescendo. Em Évora, a Fundação Eugénio d'Almeida toma a dianteira para requalificar o Palácio da Inquisição, o Pátio de S. Miguel, o Palácio da Condessa de Vila Alva. E associa-se à Câmara Municipal e à Direcção Regional de Cultura do Alentejo no projecto Acrópole XXI (10 milhões aprovados pelo QREN) recuperar a Torre do Salvador, a Casa de Burges...
Mas Lisboa e toda a região do Vale do Tejo, já não têm direito (por via do seu nível de vida médio) a quaisquer fundos comunitários, o que ainda agrava o problema. É nesta região que o mecenato terá de ser decisivo.
O alerta está lançado, mas a resposta cinge-se a dois artigos da Lei do Património (por regulamentar há oito anos), que entrarão em vigor em 2009: as regulamentações da actividade arqueológica e da intervenção em centros históricos com base na criação de Zonas Especiais de Protecção nas envolventes dos edifícios classificados. O Estado sabe que está em dívida, a consciência pesa-lhe e pesa-lhe mais ainda quando pensa na indústria do turismo.
Alexandra Carita (texto), José Ventura (fotos) in http://aeiou.expresso.pt/
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